A espiritualidade frequentemente sai pela janela no instante em que entramos em uma discussão, tropeçamos em uma crise ou caímos em depressão.



A escuridão toma conta tão rapidamente que esquecemos de tudo que aprendemos.



É por este motivo que é bom estudar diariamente, ler uma passagem da torah ou algum texto inspirador, decorar uma citação ou assistir uns minutos de uma palestra para nos lembrarmos do que é realmente importante.



Dê a sua mente algo para mastigar, para que ela não mastigue a si mesma.



Yehuda Berg


terça-feira, 3 de julho de 2012

O Candelabro Luminoso


Em cada um dos braços do Candelabro Luminoso brilhava a luz de uma emanação divina.
Como safiras, elas iluminavam o caminho do conhecimento e da sabedoria do Mestre dos mistérios, Yosséf Ibn Chiquitilla (Joseph ben Abraham Gikatilla (em Espanhol: Chiquitilla, "o pequeno")).
Por lembrarem o esplendor das pedras preciosas, as emanações das energias divinas foram chamadas de Sefirot
Com a luz do candelabro, o mestre buscou responder às perguntas que até hoje intrigam a humanidade:
O que faz com que certos casais se encontrem e se mantenham juntos?
Como se explica que um casal deu certo e outro não?
Qual o tempo adequado para encontrar a pessoa com quem realizamos o sonho da alma metade?
Que mistério é este que faz com que duas pessoas se disponham a viver juntas o resto de suas vidas, e tanto esforço seja investido para manter este objetivo?
 
Quando os antigos cabalistas liam a história de Adão e Eva, enxergavam uma mensagem diferente daquela a que estamos acostumados.
Onde muitas tradições vêem o pecado do sexo, aqueles mestres perceberam um casal humano que reproduzia a imagem divina e santificava em seus corpos a unidade de D's.
 
E D's disse: façamos um ser humano à nossa imagem e semelhança...
O Rav Yirmiyah, filho de Eleazár, inteipretou:
“Quando a Santidade, louvada seja, criou o primeiro ser humano, Ele o criou andrógino, pois está escrito "homem e mulher Ele os criou"”.
Rav Shmuêl, filho de Nahman, disse:
"Quando a Santidade, louvada seja, criou o primeiro ser humano, Ele os fez com dois rostos, depois serrou-os ao meio e fez as costas de um e as costas de outro." Opuseram-se a ele (os outros rabis): Mas está escrito: "Ele tomou uma das costelas (“tzéla”) de Adão".
E Rav Nahman respondeu que isto significa um de seus lados, pois (também) está escrito "o lado (“tzéla”) do Tabernáculo".
 
Neste debate sobre o primeiro casal, Rabi Yirmiyáh argumentava que o ser humano foi criado com os dois sexos que, mais tarde, foram separados, ou seja, tratava-se de um andrógino. Enquanto isto, Rav Shmuêl considerava que o primeiro ser humano possuía duas faces e foi dividido em dois e, em seguida, D's completou o resto do corpo que lhes faltava.
Outros rabis presentes relembraram a descrição bíblica em que "Eva saiu da costela de Adão", mas Rav Nahman não se deixou impressionar, e apresentou um argumento surpreendente para apoiar a sua idéia de um corpo com dois sexos:
No livro do Êxodo, onde se conta a saída dos hebreus do Egito, Rav Nahman encontrou a mesma palavra que em hebraico se usa para dizer de onde Eva foi retirada.
Tanto no Êxodo quanto no Gênese aparece a palavra “tzéla”.
Se num caso “tzéla” se refere ao lado do Tabernáculo, a Arca da Aliança onde eram carregadas as Tábuas da Lei e o candelabro sagrado, logo, no caso de Adão, conclui o Mestre Nahman, também podemos entender que Eva foi tirada de seu lado, e não de sua costela!
A Arca da Aliança guardava segredos que dizem respeito aos mistérios da Criação. Betzal'êl, o artesão, reproduziu em suas dimensões as medidas secretas que os anjos lhe revelaram. “
Se na construção da Arca a palavra “tzéla” foi usada como "lado", é claro que o mesmo termo empregado na criação do ser humano também pode ser usado com este sentido, pois, afinal, Adão, também criado ã imagem das medidas de D's, reflete em seu corpo as forças que habitam o Divino.
Assim, ao invés de lermos que Eva foi feita da costela de Adão, deveríamos entender que ela foi retirada de seu lado.
Como dizia o mestre, ela era a metade do andrógino humano.
Se “tzéia” — “lado”, aparece em um lugar tão santificado quanto o Tabernáculo, não há dúvida de que nesse uso o Criador quis transmitir um mistério.
E que mensagem mais importante pode haver do que lançar a luz do candelabro sagrado sobre os segredos da criação do homem e da mulher?
 
Lendo os textos do Gênese, os mestres entenderam que na primeira etapa da Criação Adão e Eva eram seres espirituais. Ali eles aparecem como o Um eterno e indiferenciado, um ser único de duas faces, ou seja, um andrógino espiritual reproduzindo a imagem do Divino com suas energias masculinas e femininas. Depois, quando se tornaram carnais, eles foram separados e transformados em seres dotados de sexos independentes.
O casal, quando se encontra no ato amoroso, reunifica o andrógino e reconstrói a unidade do Divino. Eles fazem do leito de amor um espaço de santidade, um verdadeiro templo onde as presenças feminina e masculina de D's se refazem de uma longa separação.
 
A Cabala é um convite para abandonar os modos comuns de refletir e deixar-se levar por princípios com que não estamos acostumados, trilhando caminhos cheios de imaginação. É seguir os passos daqueles antigos mestres que usavam ao mesmo tempo o conhecimento e a meditação como instrumentos para alcançar os seus objetivos.
A Cabala ensina que a vida é a arte de receber e repassar afetos e conhecimentos. Quando nos abrimos para receber, somos influenciados por tudo que aceitamos. Nesta troca, o que transmitimos vai marcado e transformado pela pessoa que recebeu, deixou-se influenciar e passou adiante.
 
Nestes textos que começaremos a estudar a partir de hoje resolvi adotar o termo "presentidade", palavra que funde “presença" e "divindade".
A tradição da Cabala chama de Shechinah a presentidade feminina de D's sobre a terra. Ela transforma o encontro do casal num lugar semelhante ao Templo de Jerusalém, a morada de D's.
A tradição cabalista diz que a Shechinah — presentidade no mundo de baixo - é uma necessidade das alturas. Esta afirmação, dita em hebraico, adquire um duplo sentido.
Por um lado, ela expressa na palavra “alto” o sentido de importante, mas, ao mesmo tempo, indica que é do "alto", de D's mesmo, que vem a necessidade de garantir que a Sua parte feminina permaneça entre os homens, realizando, deste modo, o "Zivugáh de Kadishá", o Hieros Gamos, o santo casamento divino entre Ele e Sua metade feminina.
 
Em Segóvia, na Espanha, mais de mil e duzentos anos depois da destruição do santuário de Jerusalém e da dispersão dos judeus, vamos encontrar Yosséf Ibn Chiquitilla debruçado sobre este tema que tanto ocupou a tradição cabalista.
Lendo os comentários dos sábios que o precederam, o mestre se defrontou com uma verdade que saltava aos olhos: na tradição judaica o casal ocupa um lugar de referência na manutenção do destino do mundo.
Desde o momento em que o texto bíblico afirmou que "macho e fêmea os criou, à Sua imagem e semelhança", o divino e o destino do casal humano se entrelaçaram de maneira indissolúvel.
Ao longo de sua evolução como estudioso da Cabala, da medicina e da filosofia de seu tempo, Chiquitilla (Gikatilla) buscou entender o mistério da união dos casais a partir de uma análise cabalista da relação entre o Rei David e sua amada, Betsabé. Apoiado no conhecimento das Sefirót, as Emanações Divinas, ele teve a percepção de que as almas também eram andróginas, e chegou a conclusões sobre os fatores que determinam o sucesso ou o fracasso do encontro do casal.
Para ele o tempo certo é que determinava o destino do encontro!
Uma vez decifrado o mistério da união do homem e da mulher, Chiquitilla construiu um ensinamento de como o casal deve agir para viver uma relação conveniente. Nesta relação, o mestre identificou fatores como conhecer o outro, o tempo, a alimentação, a intencionalidade, a sexualidade, a qualidade do encontro, criando um autêntico guia amoroso para que os casais possam ter uma vida feliz, capaz de provocar no alto a união entre os aspectos masculino e feminino da divindade.
Uma espécie de "Kama Sutra" — onde o prazer sexual se confunde com a responsabilidade social e cósmica, é o que marca a diferença entre a obra de Chiquitilla e os outros ensinamentos que tratam destes assuntos.
Ele chamou de "Carta Sobre a Santidade" (em hebraico, “Iguéret baKóklesh”), o livro onde reuniu as suas conclusões.
Escrito sob a forma de cartas, trata-se de uma correspondência fictícia enviada para um discípulo anônimo pelo Mestre dos Mistérios Yosséf Ibn Chiquitilla. Dividindo a obra em seis capítulos, como os seis braços da Menoráh, o candelabro que se encontrava no Santuário de Jerusalém, o Mestre quis indicar que o seu desejo era iluminar o encontro do casal, trazendo uma visão de corpos onde habitam as almas e as paixões. “Hibúr” — “adição”, o termo que ele usa para relacionamento sexual, é a matemática divina que soma dois corpos e suas almas para gerar uma nova realidade cósmica.
Ao longo da construção do candelabro, de onde a luz iria brilhar, Chiquitilla orientou o casal para que a relação sexual os transforme em sócios da obra divina: num mundo onde D's se torna sócio de um ato carnal, não se pode atribuir impurezas ao corpo e aos seus sentidos.
Vinda de Aristóteles, o Grego “Maldito”, como dizia o mestre Chiquitilla, a idéia da impureza do sentido do tato chegou ao Judaísmo através do Rabino Maimônides, autor de uma vasta produção filosófica e religiosa.
Contra ambos, mestre Chiquitilla trava um batalha aberta:
Como podiam considerar o tato algo impuro se a obra divina torna o corpo santificado em todas as suas funções?
Por isto é que ele chama o grego de maldito, por negar a natureza divina do tato e do corpo.
Quando Chiquitilla encontrou uma passagem bíblica onde estava escrito que "D's constrói nos céus os seus degraus e funda na terra o seu feixe," entendeu a palavra “feixe” como sinal da união entre o homem e D's.
Na criação e na administração do mundo, unidos como em um feixe, eles são sócios e co-responsáveis do empreendimento.
Do mesmo modo, quando no Gênese Chiquitilla leu "façamos o homem à nossa imagem e Semelhança", a sua interpretação foi nova e original.
Tratava-se, segundo o Mestre, de D's se dirigindo a Adão em um projeto de criar, em sociedade, seres à imagem de ambos.
O homem e a mulher, através de seus corpos, se associam ao Divino na multiplicação das imagens. Seguidor da tradição que ensina aos homens a necessidade de consertar o mundo, que permanece rompido e desequilibrado, Chiquitilla quis criar um meio de gerar filhos capazes de realizar essa tarefa.
Na visão da Cabala, a Criação foi atravessada por uma ruptura cósmica, que gerou um mundo partido.
Os canais que ligavam as Sefirót, emanações divinas, se romperam e, por causa desta ruptura, o mal permaneceu misturado com o bem.
Aos seres humanos cabe a tarefa de consertar o mundo, nascido da catástrofe cósmica, refazendo os canais que ligam as Sefirót entre si e permitindo, desta forma, a continuação do fluxo de energia entre D's e os homens.
A gota de esperma que fecunda a mulher se transforma no lugar do encontro marcado entre D's e o casal.
Ato onde o corpo e a alma entram em porções iguais, acaba por atrair a Shechináh, a presentidade feminina de D's, e Sua voz se ouve entre os amantes da mesma maneira como ela se manifestava no Santuário de Jerusalém.
Em cada casal renasce o projeto onde os filhos gerados serão Justos, Tzadikin, emissários para a construção de um futuro melhor, e a "Carta Sobre a Santidade" se transforma em mapa para alcançar este objetivo.
 
Para a Cabala, a santidade do texto bíblico não significa fazer os homens ficarem paralisados diante dele. Corno um poeta que usa as palavras como ferramentas para escavar a linguagem, desfazendo e refazendo sentidos, lemos e deslemos o texto, mergulhando no mundo da escrita sagrada em busca dos ensinamentos contidos sob a aparência da narrativa.
Se a Cabala fosse somente a prática de receber e conservar, buscando manter as coisas na aparência de uma eternidade imutável, seria uma repetição estéril que não permitiria transcender os limites da escrita sagrada e buscar seus mistérios. Para que seja mantido o movimento do divino jogo que envolve as forças do cosmos, não basta receber, é preciso transformar e repassar.
Desta aventura, inspirado pelos autores que me precederam, nascem estes textos.
 
Por: Paulo Blank

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