A espiritualidade frequentemente sai pela janela no instante em que entramos em uma discussão, tropeçamos em uma crise ou caímos em depressão.



A escuridão toma conta tão rapidamente que esquecemos de tudo que aprendemos.



É por este motivo que é bom estudar diariamente, ler uma passagem da torah ou algum texto inspirador, decorar uma citação ou assistir uns minutos de uma palestra para nos lembrarmos do que é realmente importante.



Dê a sua mente algo para mastigar, para que ela não mastigue a si mesma.



Yehuda Berg


terça-feira, 17 de novembro de 2015

A questão do mal


“E o Eterno, Deus, disse: ‘Eis que o homem se tornou como um de nós, co-
nhecedor do bem e do mal, e eis que agora ele pode estender sua mão e tomar do 

fruto’” (Gênesis 3:22)

Antes do pecado, Adão e Eva não conheciam o mal, mas tudo mudou quando ambos comeram da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Nesse momento, costuma-se falar que houve uma queda, mas lendo o versículo mencionado acima, vemos claramente que nesse momento o homem é comparado a Deus e aos anjos: ‘o homem se tornou como um de nós’. Como pode ser? O que real-
mente houve nesse momento? Uma queda ou uma elevação espiritual?
O segredo jaz na natureza do bem e do mal.
Na divindade, o bem e o mal existem simultaneamente, numa situação que alguns chamam de coincidentia oppositorum (coincidência dos opostos). Nesse sentido, o fato de o homem passar a conhecer o mal é visto como uma elevação, pois se esse mal for integrado ao bem, atinge-se verdadeiramente um estado divino. No entanto, assim que conhece o mal, as duas polaridades não estão integradas, mas são duas coisas separadas e distintas, vivendo apenas misturadas (mas não integradas). 
O bem influi no mal e o mal no bem, de modo caótico e pouco “puro”. 
Esse novo estado interno do homem passa a ser também a realidade do mundo, em que bem e mal passam a coexistir mas não de maneira harmônica, e sim em uma batalha, um tentando sobrepujar o outro, cada um às vezes subjugando e às vezes sendo subjugado. Tratam-se de duas forças separadas e polares, e não duas faces da mesma moeda. Fazer com que os dois estados existam simultânea e harmonicamente é o trabalho do processo espiritual.
O processo de criação do mundo é, essencialmente, um processo de separação (Deus separa a luz da escuridão, a água superior da água inferior, a noite do dia etc.). Por outro lado, o trabalho de retorno e correção do mundo é um de integração e de unidade.
Existe uma vantagem no fato de bem e mal serem forças polares e separadas: o contraste. Um ser que só conhece o bem, por um lado, é superior a um ser que conhece bem e mal. Mas, por outro, o ser que só conhece o bem é um autômato e um robô, que tem uma visão parcial e incompleta da vida. Assim, em certa perspectiva, o ser que conhece bem e mal e ainda assim se une ao bem pode ser considerado superior ao ser que só conhece o bem.
Esse pensamento, no entanto, não deve servir para mitigar a grandiosidade e elevação de uma vida sem esse conhecimento. Há um preço bastante alto a se pagar com o conhecimento do bem e do mal: a perda da inocência e da pureza. Não devemos cair na armadilha que abocanhou alguns filósofos que unilateralmente glorificavam o caminho sofrido da vida em meio ao bem e mal, considerando que a existência pristina e imaculada é chata e entendiante. Pelo contrário, há perigos bastante reais envolvidos na descida a um conhecimento do bem e do mal, como bem atesta o nosso mundo. Um dos maiores riscos, só para citar um caso, é, por exemplo, a possibilidade de que o bem perca a batalha contra o mal, ainda que temporariamente.
Do ponto de vista cabalístico, mais do que considerar um estado como ótimo e outro como indesejado, o mais correto é perceber que ambos os estados de existência possuem suas vantagens 
A questão, então, é: será que os possíveis benefícios do conhecimento do mal justificam os perigos envolvidos ao assumir o risco da empreitada? A resposta, paradoxalmente, é sim e não. Sim, ao conhecer o mal o bem que se revela no mundo é muito maior e mais profundo do que o bem que poderia ser revelado sem a existência do mal. Mas, não, porque a dor e o sofrimento causados pelo 
mal são tão intensos que nada pode justificar sua existência.
Assim, em um estado paradoxal que pervade a natureza, chamado pelo Zôhar de mati ve lo mati (tocando e não tocando), podemos dizer que Deus ao mesmo tempo queria que Adão tivesse o conhecimento do bem e do mal (e por isso plantou a árvore bem no meio do jardim) e não queria (e por isso proibiu a ingestão do fruto).
Entre o estado inicial do mundo (conhecimento apenas do bem) e o estágio final (onde bem e mal passam a viver totalmente integrados), está o trabalho cabalístico de promover essa integração, chamada, em hebraico, birur. ambas necessárias em igual medida. É por isso que a Cabalá ensina que essa integração é feita pela Sefirá de Chochmá (Sabedoria) que, por sinal, é a fonte de Chéssed, o amor e a união. No estado perfeito, o mundo e o homem devem promover um casamento do bem e do mal.
Esse estado é simbolizado, dentre outras coisas, por Tiféret, a Sefirá equilíbrio entre Chéssed (bem) e Guevurá (mal). Jacó, como arquétipo máximo de Tiféret, representa a coexistência do bem e do mal, como é bem fácil ver ao ler a sua história. Nele, o bem não é considerado o oposto do mal, mas, pelo contrário, bem e mal estão em uma integração dialética que pervade todo seu ser.
O processo de birur que promove a integração de bem e do mal consiste, portanto, em olhar o mal, reconhecê-lo, enxergá-lo (não ignorá-lo) e ver o que há nele de bom e necessário para a criação do mundo, apreciando seu valor e importância na estrutura do universo. Esse é o significado de ver e extrair a centelha de luz do meio da sombra. Nesse momento, o mal deixa de ser mal, pois é possível 
O bem e o mal devem ser reconhecidos como entidades existentes e 



1- Segundo a Cabalá, o homem e o mundo hoje vivem em um estado em que há centelhas de luz(bem) imersas e presas nas Klipot e no Outro Lado (o mal). Assim, bem e mal não estão integrados, mas em estado caótico e de batalha. O processo de birur consiste em extrair essas centelhas de luz do meio sombrio em que elas se encontram.

Yair Alon

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