A espiritualidade frequentemente sai pela janela no instante em que entramos em uma discussão, tropeçamos em uma crise ou caímos em depressão.



A escuridão toma conta tão rapidamente que esquecemos de tudo que aprendemos.



É por este motivo que é bom estudar diariamente, ler uma passagem da torah ou algum texto inspirador, decorar uma citação ou assistir uns minutos de uma palestra para nos lembrarmos do que é realmente importante.



Dê a sua mente algo para mastigar, para que ela não mastigue a si mesma.



Yehuda Berg


domingo, 22 de janeiro de 2017

Olhar Mal

No período de dez dias que vai do Ano Novo Judaico até o Dia do Perdão (Rosh Hashaná a Yom Kipur) os judeus e cabalistas oram intensamente para serem inscritos no Livro da Vida.
Rege a tradição que um grande Livro do Destino se abre neste período e nele se inscrevem os acontecimentos: quem viverá e quem morrerá; quem pela água, quem pelo fogo; quem pela espada (bala perdida), quem pela fome; quem pela tempestade, quem pela epidemia.

Mas vai aqui um grande mal-entendido universal: a vida nada tem a ver com destino.
Ficamos fascinados pelo destino achando que ele é a nossa história.
Muito pelo contrário: qualquer destino já decretado não é a nossa história, mas uma história.
A nossa história tem a ver com escolhas.
E é dessa responsabilidade que fala o tal Livro que se abre para todos e que expressam em rito os judeus neste momento de seu calendário.

Esse não é um livro das limitações (da Morte), mas das competências e incompetências (da Vida).
Nele se registram as capacidades e incapacidades de viver nossas próprias vidas.
E quando não vivemos nossa própria história, quando vivemos destinos, então experimentamos uma imagem de nós e do mundo distorcida.
São os ditos fantasmas.
São assombros de nós mesmos provenientes do mundo dos mortos — da vida não assumida, das oportunidades evadidas.
Infelizmente, poucas são as mortes por destino.
A maioria das mortes é por escolha.
Ou seja, raras são as mortes ditas por causas naturais.

Conta o Talmude que o sábio Rav resolveu fazer uma análise estatística de como as pessoas morrem. Há 18 séculos, empreendeu então uma visita ao cemitério, e através de sonhos descobriu a causa da morte dos que lá estavam enterrados.
Sua conclusão foi surpreendente.
Segundo o Rav, 99 entre cada 100 dos entrevistados morreram por conta de “Mau-Olhado” e apenas 1 em 100 por causas naturais.

Talvez devêssemos entender melhor esse responsável número um pela mortalidade humana. Normalmente pensamos no mau-olhado como um olhar invejoso do outro, mas essa é uma compreensão pequena do mau-olhado.
O mau-olhado é olhar mal.
Acho que Rav se referia a uma “má percepção” ou uma forma inapropriada de olhar para a vida.
Afinal, é mais fácil fazer da vida um destino do que olhá-la como uma infindável possibilidade de escolhas.
Sim, porque se a vida for destino, fico livre da responsabilidade de ter que vivê-la eu, bastando entrar nos trilhos do que já foi traçado.
Com o mau-olhado, explico meus fracassos e decepções por meio de limites — o outro me impede de viver ou eu não posso viver.
Mas este é em si o mau-olhado.
Não há verdadeiros limites na vida — o que não se pode abre tantas ou inúmeras possibilidades como o que se pode.
O limite na vida nunca é um beco sem saída, mas, como a definição de vida pressupõe, novas variáveis, novas possibilidades.
Por isso não existe destino na vida.
Porque mesmo que um caminho tenha que ser a única opção, mesmo que esta condição seja a única possibilidade, ainda assim podemos fazer essa opção de infinitas maneiras.

Inscrever-se no Livro da Vida não é garantia de estabilidade no emprego da existência.
É pedir pela grande bênção da vida que é a morte por causa natural.
Quem morre por causa natural é aquele que não fugiu da vida e de suas escolhas — sua morte jamais será prematura.

É só isso que se pede nesses dias: pede-se por um “bom olhar”.
Um olhar que esteja sempre desconfiado dos destinos, um olhar que se fixe nas opções que sempre existem na vida, por definição ou por “bom olhado”.

Por: Nilton Bonder

Nenhum comentário:

Postar um comentário