A espiritualidade frequentemente sai pela janela no instante em que entramos em uma discussão, tropeçamos em uma crise ou caímos em depressão.



A escuridão toma conta tão rapidamente que esquecemos de tudo que aprendemos.



É por este motivo que é bom estudar diariamente, ler uma passagem da torah ou algum texto inspirador, decorar uma citação ou assistir uns minutos de uma palestra para nos lembrarmos do que é realmente importante.



Dê a sua mente algo para mastigar, para que ela não mastigue a si mesma.



Yehuda Berg


sábado, 10 de março de 2012

Reverência


“Como o grande abismo”
 
A reverência e a humildade que sentimos quando deparamos com o mistério e com a grandeza da natureza e da história influen­ciaram o entendimento bíblico do caráter, do alcance e do valor do conhecimento e da sabedoria humana.
Aquele que quiser en­tender o mundo precisa compreender Deus, porque toda a realidade está compreendida no espírito e no poder de Deus.
E qual é o caminho para compreendê-Lo?
 
Você poderá encontrar Deus se O procurar?
Você poderá descobrir o propósito do Todo-Poderoso?
É tão elevado quanto o céu; o que poderá fazer?
Mais profundo do que Hades (o inferno); o que po­derá saber?
Sua medida é maior do que o mundo,
Mais extensa do que a terra.
(Jó 11:7-9)
 
Muito já foi dito em louvor à sabedoria e ao sábio:
“O ensina­mento do sábio é a fonte da vida”
(Provérbios 13:14).
 
“As palavras do sábio podem curar”
(Provérbios 12:14).
 
“A sabedoria preserva a vida de quem a possui”
(Eclesiastes 7:12).
 
A sabedoria humana, entretanto, não é a nossa certeza definitiva.
A sabedoria humana é contingente, não absoluta.
Ela nos é dada por Deus e pode ser tirada por Ele.
 
“Porque o Senhor nos dá sabedoria?
(Provérbios 2:6), mas Ele também
“vira os homens sá­bios pelo avesso e torna tolo o seu conhecimento”
(Isaías 44:25).
 
A sabedoria exeqüível que o homem pode alcançar, e que é tão sinceramente apreciada e celebrada, transforma-se em ignorância quando somos confrontados com os mistérios da natureza e da história.
A mensagem que a Bíblia transmite não é a de desespero ou agnosticismo.
Jó não disse simplesmente “Nós não sabemos”, mas disse que Deus sabe, que “Deus conhece o caminho”, Ele sabe onde está a sabedoria.  
O que nos é desconhecido e oculto é conhe­cido e claro para Deus.
Esse é, então, o sentido específico do mis­tério na nossa percepção.
Não é um sinônimo para o desconhecido, mas uma expressão para o sentido que importa em relação a Deus.
 
A reverência é o começo da sabedoria
A sabedoria e o propósito definitivos não são encontrados no mundo, mas em Deus; e, como foi dito antes, o único caminho para a sabedoria é aquele por meio de nossa relação com Deus.
Essa relação é a reverência.
A reverência, nesse sentido, é mais do que uma emoção; é uma maneira de compreender.
A reverência, em si mesma, é um ato de discernimento sobre um sentido maior do que nós mesmos.
Portanto, a pergunta “onde a sabedoria pode ser encontrada?” é respondida pelo salmista: a reverência por Deus é o começo da sabedoria!
A Bíblia não prega a reverência como uma forma de resignação intelectual; não diz que a reverência é o propósito da sabedoria.
Sua mensagem é que a reverência e o caminho para a sabedoria.
Encontramos em Jó a equação completa: na reverencia de Deus está a sabedoria
O começo da reverência é o assombro, e o começo da sabedoria é a reverência.
 
O significado da reverência
A reverência é a forma da existência em harmonia com o mis­tério de toda a realidade.
A reverência que sentimos, ou pensamos que sentimos, quando nos achamos na presença de um ser huma­no, é um momento de intuição pela semelhança a Deus que está imbuída na sua essência.
Não apenas o homem; mesmo as coisas inanimadas importam numa relação com o Criador.
O segredo de toda a existência é o desvelo e o cuidado divinos que lhe fo­ram dispensados.
Alguma coisa sagrada está em jogo, em todos os acontecimentos.
A reverência é uma intuição pela dignidade instrumental de todas as coisas e sua preciosidade para Deus; a percepção de que as coisas não são apenas o que elas são, mas que importam, ainda que remotamente, para algo absoluto.
A reverência é a percepção da transcendência, para a referência integral a Deus, que está acima de todas as coisas.
É um discernimento, melhor traduzido por ati­tudes do que por palavras.
Quanto mais ansiosos estivermos para expressá-la por meio de palavras, menos vestígios permanecerão.
O significado da reverência é entender que a vida acontece sob amplos horizontes, horizontes que se ordenam acima de uma pe­quena fração de tempo de uma vida individual, ou mesmo da vida de uma nação, de uma geração ou de uma era.
A reverência nos permite observar as sugestões do divino no mundo, sentir o come­ço da acepção infinita nas pequenas coisas, perceber o definitivo no comum e no simples; sentir, na agitação do que está acontecen­do ao nosso redor, a serenidade do eterno.
Ao analisar ou avaliar um assunto, pensamos e julgamos de específico ponto de vista.
O psicólogo, o economista e o quí­mico prestam atenção a diferentes aspectos de um mesmo assunto.
A limitação da mente é de tal ordem que ela não pode ver três lados de um edifício ao mesmo tempo. O perigo começa quando ficamos completamente limitados por uma única perspectiva e ten­tamos considerar uma parte como o todo.
No conhecimento imperfeito dessa perspectiva, mesmo a visão de uma única parte pode ser distorcida.
O que não podemos entender pela análise, podemos nos dar conta em reverência. Quando “ficamos para­dos e refletimos”, podemos ver e testemunhar o que é imune a análise.
O conhecimento é estimulado pela curiosidade; a sabedoria é fomentada pela reverência.
A verdadeira sabedoria é a participação na sabedoria de Deus.
Algumas pessoas podem considerar como sabedoria “um grau incomum de bom senso”. Para nós, sabedoria é a capacidade de olhar todas as coisas do ponto de vista de Deus, estar em harmonia com o divino, a identificação da vontade com a vontade de Deus. “Assim disse Deus: que o homem sábio não se orgulhe de sua sabedoria; que o homem forte não se orgulhe de sua força; que o homem poderoso não se orgulhe de seu po­der; que o homem rico não se orgulhe de sua riqueza; mas aquele que se orgulhar com isso, que possa Me compreender e Me conhecer, porque Eu sou o Senhor que pratica a bondade, a justiça, a probidade no mundo; essas são as coisas que Me agradam” (Jeremias 9:22-23).
Existem, naturalmente, momentos de maior ou menor intensidade de reverência. Quando uma pessoa se torna consciente de que Deus “é o grande soberano, a rocha e a fundação de todos os mundos, diante de Quem todas as coisas existentes nada são” (Daniel 4:32), ela ficará maravilhada pelo sentido da santidade de Deus.
Essa reverência é refletida na exortação dos profetas:
“Entre na rocha, esconda-se no pó da terra, para fugir da ira do Senhor, do esplendor da Sua majestade” (lsaías 2:10).
 
Encontramos uma afirmação clássica sobre o significado e a expressão da reverência em Moisés Maimônides:
Quando um homem está na presença de um rei poderoso, ele não se sentará, não se moverá e não se comportará da mesma ma­neira que se comportaria se estivesse sozinho na sua própria casa; ele não falará no salão de audiência do rei da mesma maneira des­contraída que falaria com sua própria família, ou entre seus paren­tes.
Dessa maneira, qualquer homem que queira alcançar a perfei­ção humana e desejar se tornar um verdadeiro “homem de Deus” precisa acordar para o fato de que o grande Rei, que o protege constantemente e que está perto de si, é mais poderoso do que qualquer outro indivíduo, mesmo que seja Davi ou Salomão.
Este Rei, guardião permanente, é o espírito que emana sobre nós, e é a ligação entre nós e Deus. Da mesma maneira como O percebemos na luz que Ele emana sobre nós - como foi dito: Em Sua luz eu verei a luz (Salmos 36:9)
E, Deus nos protege pela mesma luz.
Por isso, Deus está perpetuamente conosco, protegendo-nos, Ninguém pode se esconder em lugares secretos, onde Eu não possa ver, disse o Senhor. (Jeremias 23:24)2
 
Reverência e medo
De acordo com a Bíblia, a principal virtude religiosa é o “yirah”.
Qual é a natureza do yirah?
A palavra tem dois significados: medo e reverência.
Existe o homem que teme Deus com medo de ser punido no seu corpo, na família ou nas suas posses.
Outro homem teme Deus porque tem medo de ser punido na vida que virá de­pois desta. Ambos são considerados homens inferiores na tradição hebraica.
Já, quem disse “Mesmo que Ele me mate, ainda assim eu confiarei Nele”, não teve sua piedade motivada pelo medo, mas pela reverência, pela compreensão da grandeza de Seu amor eterno.
O medo é a antecipação e a expectativa do mal e da dor, ao contrário da esperança, que é a antecipação do bem.
A reverência, por outro lado, é a percepção de milagre e de humildade inspira­dos pelo sublime ou sentidos na presença do mistério.
O medo é a “rendição aos socorros que a razão oferece”; a reverência é a aqui­sição de discernimentos que o mundo mantém reservados para nós.
A reverência, ao contrário do medo, não nos afasta do objeto digno de reverência; ao contrário, aproxima-nos dele.
É por essa razão que a reverência é compatível com o amor e com a alegria.
De certa maneira, a reverência é a antítese do medo.
Sentir que “O Senhor é minha luz e minha salvação” é sentir “A quem devo temer?” (Salmos 27:1) “Deus é meu refúgio e minha força”.
O socorro que não falta jamais nas horas de aflição.
Consequente­mente, “não teremos medo, mesmo que a terra se mova e que as montanhas caiam na profundeza dos oceanos” (Salmos 46:2-3).
 
A reverência precede a fé
A reverência precede a fé, ela está na raiz da fé. Precisamos cres­cer em reverência para alcançarmos a fé. Precisamos ser guiados pela reverência para sermos dignos da fé. Mais do que a fé, a reve­rência é a virtude cardeal do religioso.
É o “principio e o pórtico da fé, o primeiro preceito entre todos, e sobre o qual o mundo é estabelecido”.
Na Cabalá, yirat hashem, a reverência de Deus, ou yirat shamayim, a “reverência do céu”, é quase equiva­lente à palavra ‘religião’.
Na linguagem bíblica, o homem religioso não é chamado ‘fiel’, como é, por exemplo, no islamismo, mas yare hashem.
 
Retomar a reverência
Assim, então, existe um único caminho para a sabedoria: a reverência.
O universo se tornará apenas um mercado se você for privado de seu sentimento de reverência, se deixar que sua presun­ção diminua sua capacidade de venerar Deus.
A perda da reverên­cia é o maior bloqueio para o discernimento.
Retomar a reverência é o primeiro pré-requisito para o renascimento da sabedoria, para a descoberta do mundo como uma alusão a Deus.
A sabedoria resulta mais da reverência que da sagacidade.
Deve ser evocada, não em momentos de maquinação, mas em momentos de harmo­nia com o mistério da realidade.
Os mais profundos discernimen­tos acontecem em momentos de reverência a Deus.
Um momento de reverência é um momento de auto consagra­ção.
Aqueles que sentem a maravilha de Deus dela participam.
Serão consagrados os que consideram sagrado o que é sagrado.
 
Por: Nilton Bonder
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário